“O efeito da Palavra de Deus na vida do formando ao sacerdócio”
Prezados seminaristas, dirijo-me a vocês mediante esta mensagem de estímulo e encorajamento no início do ano letivo. Agradeço a cada um pela abertura de coração para com o projeto formativo oferecido por nossa Diocese: curso de pastoral nas férias; experiência do propedêutico em Sapeaçu; convivência dos seminaristas maiores na residência episcopal e a transferência do seminário de Salvador para o Maria Mater Ecclesiae. Vejo tudo como providência divina.
Como nos anos anteriores, eu escolhi um tema para refletir com vocês tendo em vista que em janeiro de 2022 irão se aprofundar no anúncio da Palavra da Deus por meio da dimensão catequética, tomando como subsídio o Diretório de catequese da CNBB e o Diretório para a Catequese, recém-promulgado, pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização.
O tempo de seminário deve ser para o “aprendiz” ao sacerdócio uma verdadeira “escola do Evangelho”. Os seminaristas preparam-se para ser homens consagrados a Deus pela ordenação sacerdotal e é por isso que, antes de conhecerem e se encantarem pela Filosofia e pela Teologia como ciências especulativas, precisam ser íntimos conhecedores das Escrituras, deixando-se modelarem pela Palavra de Deus. O Apóstolo Paulo define a Palavra como instrumento formativo na vida do cristão: “Toda Escritura... é útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se torna perfeito, capacitado para toda boa obra”. (2Tm 3, 16-17).
No sentir com a Igreja, os jovens seminaristas, desejosos de serem sacerdotes, são convidados a fazer a experiência de apaixonarem-se pela Palavra de Deus, pois tudo foi originado D’ela e por Ela. Jesus é a própria Palavra – “Verbum Dei” (Jo 1,1). “Tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada foi feito”. (Jo 1,3). “Tudo foi criado por Ele e para Ele... todas as coisas subsistem Nele. Ele é a Cabeça do corpo, da Igreja” (Col. 1, 17-18).
A Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, afirma que “Cristo está presente pela Sua Palavra, pois é Ele mesmo quem fala quando se leem as Sagradas Escrituras na Igreja” (SC n° 7).
Na celebração litúrgica da Santa Missa, existe uma significativa distinção à Palavra do Santo Evangelho, no momento da procissão de entrada quando o Evangeliário é transportado solenemente por um diácono ou por outro ministro (leitor ou acólito) e deixado fechado sobre o altar. O significado deste gesto é de uma profundidade teológica e litúrgica extraordinária! “A tradição litúrgica, do Ocidente e do Oriente, desde sempre estabeleceu uma certa diferença entre os livros das leituras e o Evangeliário. Com efeito, o livro dos Evangelhos, elaborado com maior cuidado, era adornado e gozava de veneração superior a de outros livros das leituras. É, pois, muito conveniente que, também no nosso tempo, pelo menos nas catedrais e nas paróquias e igrejas maiores e mais frequentadas, haja um Evangeliário, ornado com beleza e distinto de qualquer outro livro das leituras" (OLM 36).
Por que, no início da Missa, após a procissão de entrada, o Evangeliário é colocado sobre o altar? “Porque a Igreja reconhece no livro dos evangelhos a mesma dignidade dos dons eucarísticos. O Evangeliário, assim, torna-se objeto de culto e adquire um intenso sentido teológico. Como o pão e o vinho são tirados do altar para que os fiéis se alimentem do Corpo do Senhor, assim o Evangelho é tirado do altar para que os fiéis se alimentem da Palavra de Cristo. No Evangelho de João se lê: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna (6,54); mas se lê também: Quem escuta a minha palavra ... tem a vida eterna (5, 24).” (Cf.: Liturgia com Dom Armando Bucciol – Site da Diocese de Livramento).
Eu desejo de todo coração que o evangelho de Jesus Cristo seja a bússola que oriente a caminhada dos futuros padres da Diocese de Cruz das Almas. Eu também anseio que vocês se deixem modelar pela Palavra de Deus e, por vocês, ela seja rezada, meditada, celebrada, estudada, vivida, para depois ser anunciada com coerência.
Oxalá os seminaristas da Diocese de Cruz das Almas se esforcem para serem “Evangelho Vivo”. Para que isto aconteça, faz-se necessário que centralizem a Palavra de Deus no processo formativo e permitam que, pela força da Palavra, o “homem velho” vá retrocedendo, dando espaço ao “homem novo”.
Quando eu prego retiro para clérigos faço questão de enfatizar que entre os três múnus inerentes ao Sacramento da Ordem, embora os três gozem da mesma importância e dignidade, a Igreja aponta, em primeiro lugar, para a “função de ensinar”. O sentido está em ser o homem ordenado constituído, por excelência, o “mestre no ensinamento da fé”. A ele foi transmitido, criteriosamente e apuradamente, o ensinamento dos tesouros da Sagrada Escritura, do Magistério e da Tradição para que, com fidelidade e coerência, possa transmitir ao povo de Deus a verdade revelada. “Configurados ao Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, unidos ao sacerdócio dos Bispos, serão consagrados verdadeiros sacerdotes da nova Aliança para pregar o Evangelho...” (Cf.: Pontifical Romano, Rito de ordenação de presbíteros - Homilia).
Vejam o que ensina o Catecismo da Igreja Católica sobre o caminho catecumenal: “Tornar-se cristão é algo que se realiza desde os tempos dos apóstolos por um itinerário e uma iniciação que passa por várias etapas... Deverá comportar alguns elementos essenciais: primeiro, o anúncio da Palavra, em seguida o acolhimento do Evangelho acarretando uma conversão, a profissão de fé...” (CIC, nº1229), para depois vir o Batismo propriamente dito.
Ainda, o Catecismo da Igreja Católica, n° 1564 afirma que “Em virtude do Sacramento da Ordem, segundo a imagem de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, os presbíteros, são consagrados para pregar o Evangelho, apascentar os fiéis e celebrar o culto divino, de maneira que são sacerdotes do Novo Testamento”. Novamente, aqui, o primeiro múnus da Igreja a ser citado é o de “ensinar - pregar”. Este múnus ou função sempre antecede aos outros dois.
O Código de Direito Canônico também não foge à regra: o Livro III do CDC trata do “Múnus de Ensinar”, antes de legislar sobre as funções de “Santificar” e “Reger” na Igreja.
Chamo atenção para esse detalhe, para que vocês nunca se esqueçam de que serão padres para exercerem o ofício de pregadores da Palavra. A Instrução “Redemptionis Sacramentum”, da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos de 2004, abordou esta questão de modo muito claro: “A homilia será feita normalmente pelo sacerdote presidente da celebração, ou ele delegará a outro sacerdote concelebrante, ou às vezes, de acordo com as circunstâncias, também ao diácono, mas nunca a um leigo” (RS n°64).
É justamente onde eu quero chegar: quem possui o “direito” de fazer a homilia no ato da celebração litúrgica, tem o “dever” de viver a Palavra antes de anunciá-la aos outros.
Tanto a Evangelii Nuntiandi de São Paulo VI (1975), como a Novo Millenio Ineunte de São João Paulo II (2001) insistem, antes de tudo, na evangelização de si mesmo para poder ser testemunha autêntica do Evangelho (EN 45; NMI 40).
Quando se chega à Teologia o aluno é orientado a uma especulação profunda das Sagradas Escrituras. A Palavra de Deus torna-se objeto de pesquisa para o seminarista. Ele é levado a mergulhar na exegese, na hermenêutica, enfim, é função da faculdade introduzir o aluno à autêntica interpretação da Bíblia. A função da formação acadêmica é levar o aprendiz à dimensão científica das Escrituras, mas, infelizmente, existem correntes da teologia bíblica truncadas que desmistificam a Palavra de Deus, levando o aprendiz a duvidar da veracidade dos fatos relatados, como que numa tentativa de desconstrução da verdade revelada. É necessário tomar muito cuidado, pois eu já vi muito seminarista perder a vocação e até mesmo a fé devido pseudo – interpretações das Escrituras.
O Papa Francisco, na Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, n° 46, chama atenção em relação “ao perigo de transformar a experiência cristã, oriunda da vivência do Evangelho, em um conjunto de especulações mentais, que acabam por nos afastar do frescor do Evangelho”.
Quem vive a Palavra e da Palavra, aos poucos vai se delineando, naquela pessoa, um perfil interior que o Apóstolo Paulo chama de “homem novo” (Col 3, 5-11). Desde o tempo de seminário, o candidato ao sacerdócio deve começar a construir, a partir da intimidade com a Palavra, não somente uma experiência interior, mas – em conformidade com a tradição bíblica cristã, uma “história pessoal” com Deus, a fim de se tornar testemunha viva da Palavra. Esse testemunho se estende por toda a sua vida sacerdotal.
Espero que esta minha breve reflexão sobre a importância de se deixar ser formado pela Palavra, ajude aos diletos seminaristas a fazerem um profundo exame de consciência em relação a intimidade com as Escrituras. Sugiro que cada um mergulhe na maravilhosa experiência, todos os dias, de praticar o exercício do “diário espiritual” tomando para si os passos da Lectio divina.
Concluo oferecendo a vocês algumas pistas a partir da minha forma de realizar diariamente a Leitura Orante da Palavra: 1. O que a Palavra me diz? 2. O que Deus me fala? 3. O que eu respondo a Deus? 4. A Palavra de vida (aquela que brota no meu coração no momento da oração); 5. Como viver a Palavra? (de que forma experimentarei a Palavra durante o dia).
Que Nossa Senhora do Bom Sucesso, nossa excelsa padroeira, e São José, neste ano dedicado a ele, intercedam pela vocação e perseverança de todos.
Deus os abençoe.
Dom Antonio Tourinho Neto
Bispo Diocesano.