Primeiras impressões ao “ir e ver”
Seria uma grande pretensão esgotar a riqueza da mensagem do Papa Francisco aos comunicadores, por ocasião do 55º Dia Mundial das Comunicações Sociais, em uma leitura rápida. Ficaríamos apenas nas linhas do texto. Ouso dizer que seria até um atentado e não conseguiríamos perceber aquilo que está nas entrelinhas. Contudo, arrisco-me e sinto-me impelido a partilhar as minhas primeiras impressões de leitura.
A mensagem deste ano guarda uma profunda ligação com a anterior. Em 2020, o Papa diz o que é preciso fazer (contar histórias, a recuperação das narrativas) e valoriza a dimensão da escuta. Em 2021, ele diz como fazer (indo ao encontro das pessoas onde estão e como são) e traz o ver. A comunicação autêntica, como assinala Francisco no texto, pressupõe saída de si. Para a vida se fazer história, é preciso “ir e ver”. Não dá para achar que já sabe, se ainda não foi ver. “Ir e ver”, à primeira vista, pode parecer apenas movimento, deslocamento… mas o próprio Papa o coloca como um método e reforça a necessidade de “ir e ver” pela repetição no decorrer de seu texto.
Duas expressões bastante corriqueiras dão tônica ao texto de Francisco. A primeira é “gastar as solas dos sapatos”. Francisco chama a atenção para o risco de se produzir informação distante da realidade, uma comunicação “de palácio”, que não gera envolvimento. A velocidade da informação provocada pelas mídias sociais pode levar ao comodismo e às facilidades de receber algo já pronto. Sem sair da bolha não se faz a experiência do encontro. Gastar solas dos sapatos é uma expressão bastante cotidiana, simples, mas rica de sentido. Não é apenas retórica. É expressão da renúncia e do esforço, das vaidades perdidas, do apequenamento para que o outro cresça, da mística de se colocar frente a frente, de estar no mesmo nível.
A segunda é “ir aonde ninguém mais vai”. Este é o testemunho de coragem e determinação que o Papa Francisco valoriza nos profissionais de comunicação. A humanidade, a sociedade e a democracia seriam empobrecidas, segundo o Papa, se não houvesse essa capacidade do jornalismo de ir aonde ninguém quer ir e mostrar o que precisa ser visto. Não é apenas uma constatação, mas uma chamada de atenção aos comunicadores católicos – a nós, comunicadores católicos – a nos preocuparmos com as causas justas e necessárias e não servirmos apenas a interesses de alguns poucos. Quem não se arrisca a ir e ver, fica apenas na superficialidade e comunicar a partir de suposições. E isso é mais comum do que parece. Pare e reflita quantas vezes você disse “ouvi dizer”, ou “me falaram”.
Como em mensagens anteriores (e também em exortações apostólicas e encíclicas), o pontífice traz iluminação da literatura para a realidade da comunicação. A citação de Shakespeare, em O Mercador de Veneza, serve para chamar a atenção dos comunicadores cristãos que ficam acomodados no seu lugar e perdem a oportunidade de “irem e verem”, coração a coração. “Ir e ver” é o eficaz método que proporcionou a difusão do Evangelho.
“Fala muito, diz uma infinidade de nadas. As suas razões são dois grãos de trigo perdidos em dois feixes de palha. Têm-se de procurar o dia todo para os achar, e, quando se encontram, não valem a procura.”
Paulo e Agostinho aparecem como exemplo e inspiração para os comunicadores que desejam ir além da eloquência das palavras, das aparências, mas que no acontecimento da vida fazem a profunda experiência do encontro. Hoje, o desafio tirar os olhos das telas e olhar nos olhos reais, para encontrar de verdade com as pessoas.
Agora é hora de mergulhar na mensagem do Papa, ser possuído por ela e lançar-se no “ir e ver”. Talvez precisemos fazer como Diego, da história A função da arte/2, de Eduardo Galeano, que após percorrer quilômetros com o pai para o conhecer o mar, ficou mudo diante da sua imensidão e quando conseguiu falar, só foi capaz de pedir: “Me ajuda a olhar!”
Por Marcus Tullius
Fonte: Pascombrasil.org.br